O preço da autorresponsabilidade e o sincronismo desordenado
“O pessimista se queixa do vento,
o otimista espera que ele mude,
o realista ajusta as velas.” William George Ward, teólogo
De acordo com a neurociência, ainda que a tomada de decisão seja um processo centrado nas funções cognitivas do cérebro, as emoções e os neurotransmissores também têm influência fundamental. Se programamos nosso cérebro para tomar decisões impulsivamente repetidas vezes, sem analisar o contexto, ele passa a atuar como um executor diante de qualquer situação, buscando atalhos. Criamos sinapses cerebrais de decisões rápidas e fica cada vez mais difícil tomar decisões pensadas.
Decidir rápida e instintivamente, baseado no emocional, aumenta nossas chances de erro. E, da mesma forma que o cérebro resiste a retomar seu viés cognitivo, ele também tem dificuldade de assumir que a decisão que tomou foi errada, buscando argumentos “lógicos” para evitar a dor da culpa. Em seu livro, O Poder da Autorresponsabilidade, o escritor Paulo Vieira mostra como somos responsáveis por tudo que acontece nas nossas vidas, seja por ação ou omissão, somos os “timoneiros do nosso barco”. A autorresponsabilidade, capacidade de um indivíduo compreender e se responsabilizar por suas escolhas e ações, é sinônimo de controle da vida, uma habilidade que precisa ser treinada e desenvolvida, num processo contínuo e com desafios pelo caminho, cuja jornada fortalece o objetivo.
Nos últimos anos a inflação global se tornou um transatlântico à deriva num oceano artificialmente inundado pela liquidez injetada pelos bancos centrais ao redor do mundo. Levou algum tempo para as autoridades monetárias se darem conta que o atual ciclo inflacionário não era uma mera elevação transitória de preços e que dezenas de trilhões de dólares despejados no sistema ao longo de mais de uma década criariam desequilíbrios concomitantes e de diferentes naturezas nas economias e nos mercados. A maior inflação sincronizada em mais de 40 anos levou os BCs a uma tomada de consciência e cognição forçada para recuperar o controle do navio, que vem exigindo, na mesma medida, o ciclo de aperto monetário mais intenso neste período.
Levar os juros de zero para próximo ou acima de 5% em pouco mais de 12 meses nas principais regiões do mundo vem tendo e ainda terá impactos relevantes sobre as empresas, famílias e os próprios governos. Da falência de empresas à quebra de bancos, são inúmeros os corpos que surgem boiando à medida que a maré baixa. Possivelmente estamos à beira de uma recessão global e seus desdobramentos ainda são incertos. A volta da força da gravidade sobre a atividade econômica e os preços dos ativos é o preço da retomada tardia da autorresponsabilidade dos BCs. E como se não faltassem emoções em terras tupiniquins, por aqui soma-se a este pano de fundo a irresponsabilidade política do atual governo que flerta com tentativas de atalhos comprovadamente danosos para o país.
CENÁRIO ECONÔMICO E DE MERCADO
O alívio nas tensões associadas à quebra de bancos regionais americanos contribuiu para maior estabilidade dos mercados internacionais que operaram como se o fim do ciclo de aperto monetário global estivesse próximo. Apesar da curva de juros nos EUA ter oscilado em função dos dados econômicos, as taxas longas permaneceram ancoradas, as bolsas subiram, o dólar enfraqueceu globalmente, enquanto as commodities tiveram comportamento misto. No Brasil, os ativos também performaram bem, a curva de juros fechou, câmbio e bolsa valorizaram.
MUNDO
Embora a crise dos bancos regionais nos EUA tenha produzido mais uma vítima em abril (o First Republic Bank sofreu intervenção e foi parcialmente vendido ao JP Morgan), a tensão maior quanto a uma eventual quebradeira generalizada foi dissipada em função das atuações direcionadas do FED e dos dados mostrando estabilização do estoque de depósitos no sistema. Porém, os aumentos nos custos de captação destas instituições e a expectativa de menor rentabilidade para o setor têm potencial de tornar as condições de crédito mais restritivas, o que precisa ser acompanhado de perto.
Os dados econômicos, por sua vez, apontam para uma desaceleração continuada da atividade, sobretudo a parte cíclica. A inflação continua pressionada, sobretudo o núcleo, e a de serviços indicou alguma moderação. O mercado de trabalho permanece forte, embora a geração de empregos tenha arrefecido na margem. Em sua última reunião no início de maio, o FED elevou os juros em 25 bps, para 5,00-5,25%, e condicionou novos aumentos a dados que sugiram maior resiliência da inflação à frente. A perspectiva de continuidade em níveis incompatíveis com a meta de 2% demandará manutenção dos juros no atual patamar pelo menos até o final de 2023.
Na Europa, a região evitou uma recessão neste inverno, tendo o PIB crescido 0,1% t/t, enquanto os indicadores de atividade apontam para uma aceleração no 2T23, puxado principalmente por serviços. A inflação, apesar de continuar forte, vem dando sinais de moderação, principalmente no núcleo de bens, mas compensado pela inflação de serviços que continua acelerando (em abril o índice aumentou para 7%, com os núcleos se mantendo próximo da máxima histórica de março de 5,6%). Já os dados de crédito mostram que o canal de transmissão da política monetária está funcionando, o que levou o BCE a reduzir o ritmo de elevação dos juros para 25 bps em maio, mas sinalizou que deve continuar com o ciclo nos próximos meses.
Na China, a atividade voltou a surpreender positivamente no 1T23, com expansão de 2,2% t/t, puxado pelos componentes ligados à economia doméstica, reflexo da reabertura retomada desde o final do ano passado. A economia segue em recuperação com os dados de crédito mais fortes que o esperado, segundo os quais as famílias estão tomando mais empréstimos hipotecários. O consumo de bens e de serviços também se mantém firme. O governo segue convicto que o crescimento do país depende de mais estímulos, por isso não deverá retirar qualquer apoio à atividade.
BRASIL
Por aqui as principais preocupações seguem relacionadas ao projeto de arcabouço fiscal e sua implementação. O texto entregue pelo governo veio próximo ao que se noticiava e ainda poderá sofrer modificações no congresso, onde as discussões parecem caminhar na direção de endurecer a proposta, o que seria menos negativo.
Quanto à atividade, a economia ainda cresceu de forma robusta no 1T23. O mercado de trabalho aquecido e a confiança do consumidor favoreceram as vendas no varejo e o consumo de serviços. Por outro lado, reflexo dos juros mais altos, as condições de crédito seguem piorando, com redução significativa do acesso ao mercado primário de dívida pelas empresas e contração ainda maior nas concessões de crédito bancário. Espera-se uma desaceleração para o 2T. A fragilidade das contas públicas deverá ser posta à prova à medida que as condições econômicas locais e globais piorarem ao longo do ano.
Em relação à inflação, os principais índices se acomodaram em torno de 6% e as expectativas de inflação permanecem desancoradas. Diante disso, e reconhecendo que a proposta de arcabouço tende a reduzir parte das incertezas do mercado, o Copom manteve os juros em 13,75% em sua última reunião, sem indicar expectativas para o futuro, mas atribuiu como menos provável o cenário de voltar a subir juros.
Desafios ao Dólar
A invasão russa na Ucrânia desencadeou uma série de sanções contra o país, dentre elas a suspensão de transações utilizando o dólar. Num primeiro momento foi um poderoso golpe sobre a Rússia, no médio e longo prazo pode ter sido sobre a própria moeda americana.
A exemplo do que os russos fizeram, crescem as notícias de países buscando acordos para transacionar entre si em moedas paralelas ao dólar, com o objetivo de reduzirem sua dependência. O Brasil já sinalizou interesse com a Argentina e claro, com a China, país relevante na nossa balança comercial e rival direto dos EUA nas relações internacionais.
Na última semana de abril, o yuan ultrapassou pela primeira vez o dólar americano, virando a moeda mais usada pela China em suas transações internacionais. Com isso, a participação do yuan nas transações de importação e exportação da China já representa 48% de todo o comércio, contra 47% da moeda americana.
Agradecemos a leitura, o tempo e a confiança.
Equipe Propósito www.proposito-mfo.com - contato@proposito-mfo.com
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