Carry Trade Brasileiro
“Só não consegue o objetivo quem sonha demasiado. Quem pretende dar o passo maior do que as pernas. Quem acredita que as coisas são fáceis. Todas as coisas são difíceis, elas precisam ser lutadas.”
Silvio Santos
No ano passado escrevemos em outra carta mensal sobre os custos dos exageros monetários executados pelos banco centrais nas últimas décadas. A história nos ensinou que a teoria econômica pode ser superada a curto prazo com medidas artificiais, mas que a médio e longo prazo ela sempre prevalece; e seus efeitos costumam ser intensos quando ocorrem.
Problemas simples tornam-se complexos e possíveis recessões leves passam a ser intensas. A ação governamental na política monetária com fins de suavizar os ciclos econômicos acaba em muitos casos intensificando as crises e criando distorções na economia.
Com isso em mente, adentramos a história do Japão. O país asiático efetuou um esforço monetário para estimular a economia do país que estava prejudicada há anos por um baixo crescimento. Desde 2007 os japoneses adotaram uma política de juros baixos para estimular a atividade e frente a ausência de resultados levaram a taxa básica de juros do país para o patamar negativo em 2016. A experiência inédita desvalorizou o iene, favorecendo a competividade do país, mas financiando a diminuição da dívida do país as custas das reservas financeiras da sua população
.
Ademais, a estabilidade da política irracional criou os mecanismos possíveis para distorções acentuadas de carry trade. Onde investidores tomavam empréstimos a juros baixos no Japão e investiam em outros mercados a juros maiores. Instrumento comum dentre investidores profissionais.
Os anos passaram e a inflação veio no Japão e no mundo; e em março deste ano o experimento terminou quando o Banco Central do país aumentou suas taxas de juros, pela primeira vez desde 2007, ao sair de -0,1% para a banda entre 0% e 0,1%.
O movimento iniciado em março surpreendeu o mercado e foi sucedido no último dia de julho por um novo aumento. O BoJ elevou as taxas de juros da banda anterior para 0,25% e anunciou a redução das compras de títulos.
As consequências foram explicadas na introdução. O fim da política de juro negativo em um intervalo de quatro meses causou fluxos intensos de desmonte do carry trade japonês e assustou o mercado temporariamente.
A história japonesa é interessante por si só, mas na verdade nosso objetivo ao descrevê-la é para tratar de outras distorções que o mercado tem proporcionado.
No Brasil a irracionalidade está no desalinhamento entre a política monetária e fiscal, conforme abordamos na carta mensal de junho. As singelas tentativas da Fazenda em conter gastos e o início dos discursos da equipe econômica sobre o assunto são irrelevantes pela perspectiva do impacto fiscal e nas contas públicas, mas merecem atenção pelo simbolismo que representam e podem ser um gatilho de que a tensão esteja reduzindo.
Em meio aos conflitos e irracionalidades, os ativos de risco brasileiros têm sido impactados. A bolsa negocia a preço lucro de 10,1x contra uma média histórica de 14,6x. O EV/Ebitda também está hoje na metade da média.
Logo, o valuation da bolsa brasileira está em linha com as crises da pandemia, impeachment da Dilma e o subprime em 2008. Enquanto os exemplos citados continham incerteza e deterioração econômica na atividade brasileira, o período atual é diferente com dados positivos na economia e um cenário internacional começando a ficar favorável.
Por isso, nos questionamos e propomos a reflexão aos leitores: quando acontecerá o carry trade brasileiro? Assim como no exemplo japonês, basta um gatilho inicial para que um intenso fluxo seja desencadeado e as distorções corrigidas. Quando virá esse fluxo e de onde? Provocações que devemos nos fazer constantemente.
Concluindo, estamos sempre à disposição para auxiliar e debater acerca das provocações e reflexões contidas nestas cartas. Contem conosco!
CENÁRIO ECONÔMICO E DE MERCADO
Para este mês de julho pontuamos a valorização das bolsas globais, inclusive o Ibovespa com um mês excelente. Ademais, os fundos multimercados que vem encontrando dificuldades para operar o cenário macro se beneficiaram com maior clareza dos rumos monetários nos Estados Unidos após bons indicadores abrirem a porta para dois cortes de juros pelo Federal Reserve ainda em 2024.
BRASIL
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de julho foi de 0,38%, ficando 0,17 ponto percentual acima da taxa registrada em junho (0,21%). No ano, o IPCA acumula alta de 2,87% e, nos últimos 12 meses, de 4,50%, acima dos 4,23% observados nos 12 meses imediatamente anteriores.
O resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi negativo em R$ 138,3 bilhões em maio. Resultado pior que o déficit de R 69,6 bilhões registrado em abril. Com isso, no acumulado em 12 meses, o déficit nominal chega a R$ 1,062 trilhão (9,57% do PIB).
Segundo o IBGE, a produção da indústria brasileira cresceu 4,1% na passagem de maio para junho. Além de interromper dois meses de queda, o resultado é o maior já registrado desde julho de 2020, quando houve expansão de 9,1%.
MUNDO
A inflação do consumidor nos Estados Unidos subiu 0,2% em julho, dentro do previsto. Com isso, a taxa anual reduziu para 3,2%, após alta de 3,3% no mês anterior e reforça sinais de convergência.
O índice de preços ao produtor (PPI) para a demanda final desacelerou para 0,1% no mês de julho.
Os Estados Unidos criaram 114 mil vagas de trabalho fora do setor agrícola no mês de julho, número bem abaixo do esperado pelo mercado, segundo dados do payroll. Sinalizando uma forte desaceleração cujo qual o mercado vinha esperando.
A taxa de desemprego teve alta em julho e vai a 4,3%, acima dos 4,1% do mês anterior. Pelo segundo mês consecutivo o desemprego apresentou elevação frente a uma expectativa de manutenção do dado.
Após iniciar a flexibilização monetária, em junho, o Banco Central Europeu decidiu no mês passado por manter as taxas inalteradas em 3,75%. Quanto a próxima reunião, em setembro, Lagarde afirmou estar indefinido o que será feito.
Nos Estados Unidos, a corrida presidencial foi marcada pelo atentado a Donald Trump que repercutiu com o crescimento de sua popularidade e vantagem para o atual Presidente Joe Biden. O acontecimento acabou sendo o ponto decisivo para a desistência de Biden da candidatura que não demonstrava força e a sua posterior substituição por Kamala Harris.
Com isso, a eleição que aparentava decidida passou a ser incerta e acompanhamos a virada dos democratas nas pesquisas eleitorais, embora ainda cedo para maiores análises. Adicionamos o fator eleitoral americano como novo ponto de atenção aos mercados nos meses finais do ano.
Porém, se a incerteza política cresceu, por outro lado a incerteza no âmbito macro econômico diminuiu consideravelmente com o mercado precificando dois cortes de juros pelo FED nas próximas reuniões.
Agradecemos a leitura, o tempo e a confiança.
Pedro De Cesaro Rodrigo Villa Real
Founding Partner Chief Investment Officer
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