Parafiscal e as pedaladas 2.0
“O oportunismo no Brasil é mais rentável.”
Marcos Lisboa
No dia 31 de agosto de 2016, após 6 dias de julgamento, o Senado concluiu o impeachment de Dilma Rousseff, cassando o mandato da presidente, mas mantendo os seus direitos políticos. O processo teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.
Na justificação para o pedido de impeachment, os juristas alegaram que a então presidente havia cometido crime de responsabilidade pela prática das chamadas "pedaladas fiscais" e pela edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso.
Afinal, o que são pedaladas fiscais? Podemos definir como uma manobra contábil feita pelo Poder Executivo para cumprir as metas fiscais, fazendo parecer que haveria equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas.
No caso do governo Dilma Rousseff, o Tribunal de Contas da União entendeu que o Tesouro Nacional teria atrasado, voluntariamente, o repasse de recursos para a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de programas sociais como Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, benefícios sociais como o abono salarial e o seguro-desemprego, e subsídios agrícolas.
Essas instituições faziam o pagamento com recursos próprios, garantindo que os beneficiários recebessem em dia. Ao mesmo tempo, o governo omitia esses passivos nas estatísticas da dívida pública, postergando para o mês seguinte a sua contabilização. Com isso, as contas públicas apresentavam bons resultados que, no entanto, não eram reais.
Qual a relevância do tema para o momento? Simples. Enquanto pontuamos a disfuncionalidade nos preços das ações brasileiras e a visão de que os preços atuais agregam assimetria positiva aos investidores. Também temos destacado ao longo dos meses o principal risco brasileiro: o déficit fiscal. Este é o principal motivo do Brasil ter descolado do resto do mundo e estar posicionado entre as piores bolsas no ano.
Frente a isto, o governo gradativamente passou a sinalizar que poderia conter gastos, anunciou pacotes singelos e recentemente alegou que cumprir o arcabouço é uma das prioridades do Ministério da Fazenda.
No entanto, os últimos dois meses foram marcados por denúncias de movimentos parafiscais do governo. Parafiscal é um conceito de imposição tributária paralela ao sistema fiscal, na forma de contribuição aos cofres públicos, para custear encargos que não são próprios da administração pública, mas que interessa ao Estado ver desenvolvido. Em outras palavras, é uma manobra contábil que altera receitas e despesas contrariando a boa prática.
O governo publicou a medida, apesar da rejeição do Banco Central, para confiscar os valores “esquecidos” dos brasileiros em contas inativas. O conglomerado desses saldos foi colocado nas receitas das contas públicas como se fosse custeio do orçamento. Este é um dentre vários exemplos.
Ademais, a prática é vista também pelo lado do gasto ao se retirar despesas primárias do orçamento e aprovar novos programas sociais no Congresso com contrapartidas de fundos públicos que não deveriam ter seus recursos direcionados para tal gasto.
Portanto, com a utilização de fundos especiais para bancar despesas e iniciativas do governo como empréstimos especiais, nota-se uma clara sinalização da gestão de que pretende cumprir a meta de déficit no papel, ou seja, dentro das despesas primárias oficiais. Enquanto isso, persiste na ideia de incentivar a economia através de empréstimos e gastos públicos que são desviados para outras linhas contábeis. A prática não é nova e dificulta a checagem e avaliação dos analistas políticos e econômicos que agora devem analisar balanços de estatais e fundos públicos. A consequência disto é visto na divulgação recente de que as estatais brasileiras projetam um rombo de R$ 7,2 bilhões em 2024, o maior déficit em 22 anos. Esse número é preocupante, pois marca uma reversão em relação aos superávits recentes.
O objetivo é mascarar dados e manter por mais tempo a política de atividade econômica via governo. O problema é que o déficit, embora não oficial, segue subindo a patamares insustentáveis e a consequência da estratégia é uma recessão mais intensa quando ela chega. Não é em vão que passamos uma década tentando retornar aos níveis de renda do pré Dilma; e fica evidente que não houve uma reflexão do atual governo com os erros do passado.
Frente a este cenário, temos juros altos por mais tempo e uma inflação persistentemente no teto da meta; e que pode disparar a qualquer momento. Acompanhamos os ativos globais de risco performando positivamente e os nossos oscilando entre o bom humor internacional e os déficits nacionais.
Destrinchamos o tema nesta carta para nos questionar se estaríamos presenciando, via parafiscal, o início de uma nova pedalada fiscal. O tópico impactou negativamente a bolsa brasileira e a nossa moeda, mas por uma perspectiva positiva notou-se maior compreensão dos agentes de mercado na percepção, denúncias e críticas as tentativas. Algumas instituições seguem fortes e vigilantes no Brasil.
Concluindo, estamos sempre à disposição para auxiliar no que for necessário. Contem conosco!
CENÁRIO ECONÔMICO E DE MERCADO
Para este mês de setembro pontuamos a volatilidade internacional com conflitos geopolíticos, dados de estoques de petróleo nos Estados Unidos e dados resilientes de inflação americana. Adicionalmente, por aqui, o movimento foi mais intenso devido a manutenção da deterioração fiscal e primeiras sinalizações parafiscais tratadas nesta carta.
BRASIL
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro foi de 0,44%, uma aceleração em comparação ao número deflacionário de agosto, mas em linha com as expectativas do mercado. No ano, o IPCA acumula alta de 3,31% e, nos últimos 12 meses, de 4,42%, acima dos 4,24% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Com isso, a inflação acumulada se aproxima do teto da meta. O principal responsável pela elevação foi o grupo de energia elétrica.
As contas públicas fecharam o mês de agosto de 2024 com déficit de R$ 22,329 bilhões, valor inferior aos R$ 26,182 bilhões registrados no mesmo mês de 2023.
Segundo o BC, nos oito primeiros meses deste ano, o setor público consolidado está com déficit primário de R$ 86,222 bilhões. Em 12 meses – encerrados em agosto – as contas acumulam déficit primário de R$ 256,337 bilhões, o que corresponde a 2,26% do Produto Interno Bruto (PIB).
Em 12 meses, o déficit nominal acumulado chegou a R$ 1,12 trilhão, o que corresponde a 10,02% do PIB.
As estatais brasileiras projetam um rombo de R$ 7,2 bilhões em 2024, o maior déficit em 22 anos. Esse número é preocupante, pois marca uma reversão em relação aos superávits recentes (R$ 94 bilhões observado em 2021).
Conforme salientado anteriormente, enquanto os acontecimentos econômicos internacionais abrem oportunidades para o Brasil, internamente as contas públicas vêm sendo dilaceradas e preocupam cada vez mais os agentes de mercado que demandam juros maiores.
MUNDO
O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) nos Estados Unidos subiu 0,2% em setembro ante agosto, mantendo assim a variação observada nos meses anteriores. Em 12 meses, a inflação continua desacelerando, de 2,5% para 2,4%.
Em setembro, o PPI (Inflação ao Produtor) dos EUA ficou estável em 0,0%, após uma alta de 0,2% em agosto. A taxa em 12 meses também desacelerou, passando de 1,9% para 1,8%.
Os Estados Unidos criaram 254 mil vagas de trabalho fora do setor agrícola no mês de setembro, bem mais que o esperado pelos analistas, segundo dados do relatório de emprego (payroll) e divulgados pelo Departamento do Trabalho. O dado veio bem acima da previsão de 140 mil vagas esperadas e levou a uma diminuição na taxa de desemprego de 4,2% para 4,1%.
Os indicadores de inflação em ritmo de redução, mas resiliente e lenta nesse processo somado a atividade econômica e mercado de trabalho aquecido, gerou a volatilidade observada no mês de setembro tanto nas bolsas americanas quanto no resto do mundo. Apesar disto, acreditamos que o Federal Reserve não deve interromper o ciclo de redução de juros; e sim reduzir o grau para cortes constantes de 0,25% ao longo das próximas reuniões.
Sendo assim, o cenário macro global vem tomando um rumo direcional e com maior clareza que tem impactado positivamente fundos multimercados, com destaque aos de categoria macro.
Agradecemos a leitura, o tempo e a confiança.
Pedro De Cesaro Rodrigo Villa Real
Founding Partner Chief Investment Officer
Lúcido, preciso, atualíssimo, e realista! Apontando claramente para medidas corretivas que, muito infelizmente, não aparentam alta probabilidade de serem implementadas. Caso não sejam - não creio que serão - recoloca sobre a mesa o antigo tema da "fragilidade da boa racionalidade" perante o antigo tema do "poder da prepotência ideológica", seguir mascarando, como "virtudes", o que não é senão o cínico exercício dos interesses particulares e, hoje, já nem mesmo "partidários". No entanto, considerando que a esperança não é a última que morre, posto que a esperança nunca morre, sigamos apontando na união da lucidez com a honestidade de caráter - na Qualidade do Propósito, parabéns pelo nome! - e martelando, com o malho da perseverança, a bigorna da esperança.…